Ruazinhas
Um dos grandes prazeres que encontro quando saio de casa é me embrenhar por vilas, ruas estreitas e vielas. Sinto-me transportada para outro tempo e espaço. Não sei dizer se é o silêncio, a proximidade com as pessoas e a arquitetura ou o menor movimento de carros, mas essas ruazinhas se mostram, quase sempre, uma boa alternativa.
O curioso é que elas parecem surgir do nada, às vezes em lugares por onde já passei diversas vezes e nunca havia prestado atenção.
Além de deixar os caminhantes mais excitados, essas pequenas ruas abrem o leque de caminhos dos pedestres, deixam as quadras mais curtas e criam intersecções que são bem interessantes do ponto de vista urbanístico. Quanto mais interseções houver na cidade, melhor ela será para o pedestre, que ganha mais opções de escolha. Veneza, por exemplo, tem, em média, 1.500 interseções por m². Brasília, a cidade pensada para ser vista do alto, tem apenas 100. Aliás, alguém já caminhou por Brasília? É muito estranho. Parece que você está sempre no mesmo lugar, e que esse lugar é uma larga e infinita rodovia...
Quando a gente anda a pé, a velocidade é baixa e a nossa capacidade de perceber detalhes aumenta. Por isso é gostoso caminhar por ruas estreitas, onde existe proximidade, e lugares cheios de detalhes para serem observados. Olhem essa rua que tem uma capela no meio. Não é demais?
Muitas pessoas me dizem que têm medo de andar por essas pequenas ruas, o que eu entendo perfeitamente. Às vezes eu também tenho. Mas essa história do medo é fruto de um paradoxo: quanto mais medo, menos gente andando nas ruas; quanto menos gente andando, mais perigoso o local fica e o medo aumenta.
Com a expansão imobiliária nas cidades, muitas dessas pequenas ruas perderam suas casas. Sem condições de abraçar o fluxo intenso de um prédio, elas ganham um grande muro que cerca os fundos dos novos empreendimentos, deixando-as sem vida e pouco convidativa para a caminhada justamente por causa do medo.
Mas ainda há ruazinhas que resistem cheias de vida, com casas, gente morando, cachorro na garagem e gato na janela. E é muito difícil resistir a observá-las, senti-las e refletir sobre como são importantes para a vida e para a convivência urbana.
“Em ruas estreitas e espaços pequenos, podemos ver os prédios, os detalhes e as pessoas ao redor em curtas distâncias. Há muito que assimilar, há muitos prédios e atividades que experimentamos com grande intensidade. Percebemos a cena como calorosa, pessoal e convidativa”. Jan Gehl no livro Cidade para Pessoas.
A cidade sem ruas
Já imaginou caminhar em uma cidade sem ruas? Parece bem estranho, mas faz parte da história da humanidade. Um sítio arqueológico na Turquia, descoberto no fim dos anos 1950, guarda os resquícios da comunidade de Çatalhöyük, considerada um dos primeiros centros urbanos do mundo.
Pitoresco aos olhos de hoje em dia, Çatalhöyük existiu entre 6.500 e 5.700 a.C e tinha uma característica bem peculiar. As casas - com paredes de tijolo e barro e estrutura de madeira - ficavam coladas umas nas outras, formando um grande aglomerado. Para circular pela comunidade, as pessoas usavam o teto das construções, onde ficava também a entrada das casas. O interior podia ser acessado por uma escada. Era lá dentro que eles enterravam seus mortos, sempre em posição fetal. Os pesquisadores descobriram também muitas pinturas nas paredes, objetos, marcas e ossadas.
#nadadeextraordinario
Até a próxima.
Maisa