Dá pra controlar a falta de controle?
Já percebeu que a vida está o tempo todo jogando na nossa cara sua imprevisibilidade e a nossa falta de controle?
Meu pai sempre contou a história de um tio dele que ganhou na loteria - em 1964 - foi receber o prêmio e morreu atropelado na calçada do Clube de Regatas Tietê, enquanto aguardava o ônibus para voltar pra casa. Morreu com o dinheiro dentro de uma pasta (e a grana foi devolvida pra esposa, que estava grávida).
No livro Quando tudo se desfaz, a monja Pema Chödron conta que, um dia, o marido chegou em casa, contou que estava tendo um caso e queria o divórcio.
Quando olho para histórias como estas, fico pensando: se a vida é feita dessa imprevisibilidade, por que, afinal, buscamos o controle (eu, pelo menos, busco)?
Sempre que o tema falta de controle vem à tona, penso que qualquer pessoa pode tropeçar na rua, cair, bater a cabeça e morrer. É uma forma de materializar essa falta de controle. Mas não acordo pensando “está começando mais um dia cheio de imprevisibilidades”. Acordo com o dia planejado e confiante de que vou seguir o plano.
Porém, não é raro a vida jogar na cara a falta de controle que fingimos desconhecer. Pode ser algo simples, como uma entrevista desmarcada, ou um fato mais sério e profundo.
A jornalista Cris Guerra estava em um dia normal quando recebeu a notícia de que o marido havia sofrido uma parada cardíaca e morrido. Ele tinha apenas 38 anos e ela estava grávida de 7 meses.
Claro que não devemos viver esperando o pior, embora eu deva confessar que faço isso com muita frequência e, por isso, sou conhecida como uma pessoa pessimista. Mas seria bom se o ser humano fosse instruído desde novinho a lidar com os imprevistos, principalmente aqueles que não são muito agradáveis.
Nessa vida, o improviso devia ser disciplina obrigatória na escola, junto com educação financeira e emocional. Porque é a capacidade de improvisar - de parar, pensar, aceitar e ver o que pode ser feito - que nos ajuda a lidar com a imprevisibilidade.
Mas não é nada fácil aceitar a falta de controle, olhar pra realidade do presente e dizer “não há nada que eu possa fazer a não ser esperar e lidar com o que surgir”.
Olhando pra vida, me parece muito óbvio a necessidade de deixar fluir, aceitar e esperar. Não há outra opção. Mas há um espaço enorme entre saber disso e fazer isso. E quando a ansiedade se ocupa desse espaço e fica buscando formas de controlar o incontrolável, a situação torna-se mais difícil.
A mesma monja que se surpreendeu com o marido pedindo o divórcio diz que é preciso relaxar naquilo que acontece, independentemente se julgamos o acontecido bom ou ruim.
Eu, honestamente, preciso de muita terapia pra conseguir fazer isso. E você?
CASA ABERTA
No longínquo 2012, fiz uma entrevista com o músico Marcelo Jeneci para a Revista do Tatuapé. Como era uma revista de bairro, eu achava que ele nem ia querer conversar pessoalmente comigo (acreditem, isso acontece demais). Mas ele aceitou o papo cara a cara e lá fomos nós, eu e o fotógrafo Rodrigo de Paula, do Tatuapé até a Lapa.
Quando você sai para uma entrevista, vai com uma ideia pré-concebida do seu entrevistado. Se você não o conhece pessoalmente, fica imaginando como será recebido, se haverá tempo suficiente para falar sobre tudo, se a entrevista será interrompida bruscamente etc.
Marcelo entrou para o rol do melhor tipo de entrevistado: aquele que não apenas abre, mas escancara a porta da sua casa. Ele foi muito mais receptivo do que eu poderia imaginar. Antes da entrevista, preocupou-se em mostrar a casa, do quarto ao estúdio. E ainda perguntou se estávamos com pressa, porque ele queria escovar os dentes. Achei simpático.
A fala pausada, demonstrando que ele pensava antes de falar, mostrou que tempo não era um problema. E Marcelo falou sem pressa, sem medo. No final, ainda perguntou se queríamos ficar por lá, fazendo uma hora até passar o rush do trânsito. Bem, não ficamos….
Saí da Lapa e voltei para o Tatuapé pensando na vida, nas coisas que priorizamos, na forma que escolhemos viver. Jeneci fala devagar, pensa muito antes de dizer algo, passa uma imagem de alguém muito calmo. Eu não o conheço para além desse contato e para além da sua música, mas lembro que depois dessa entrevista fiquei com aquela vontade de fazer tudo mais devagar.
Por isso eu digo que é um privilégio fazer entrevistas. É uma forma de aprender não só sobre um assunto novo, mas também sobre a vida a partir daquilo que ouvimos do outro.
Até a próxima!